a ti falta-te a coragem bem o sabes para enfrentares o desumano juiz que dorme sobre três mulheres gordas nuas mortas marta maria e bárbara e lhe dizeres vós que sois tão regulamentar e bom cumpridor dai-me uma licença de louco que me permita deixar de fazer loucuras até me converter no palhaço que recebe as bofetadas do país quero zombar olhai que com timidez do mais cruel carcereiro ó desumano juiz que adormeceste o vosso enfartamento entre arrotos tão saudáveis sobre três mulheres gordas nuas e mortas marta maria e ana sede clemente e acolhei a minha suplica com benevolência nisso se me vai a dignidade e também o sossego a ti falta-te coragem bem o sabes e gozas sentindo-te alvorada de estudioso objecto erótico de castigadora freira de hospital obediente moço dos tiques mais tenebrosos e viciosos dos mais submersos meandros não me lambas o esfíncter do ânus com precipitação irresponsável deixa as pressas para os prudentes prostituídos e tange esquisitos instrumentos melodiosos e doentes esquecidas cítaras de funeral de infanta gorda agonizante sob a pressão do seu amante mouro e robustíssimo ó desumano juiz que continuais dormindo sobre a carne podre das três mulheres gordas nuas e mortas marta maria e regina ó desumano juiz cuja vida deus guarde muitos anos sorri ao vosso servo maltratado e libertai a matilha de loucos mansos que nada mais querem nem sonham com maior prazer do que acariciar velhas paredes e passar a vida arrastando os pés com parcimónia é desumano juiz que sempre haveis dormido e para sempre pensais dormir sobre três mulheres gordas nuas e mortas marta maria e margarida que esperam o administrativo instante da autópsia deixai já de olhar o mundo com os vossos binóculos e tomai uma decisão política dai-me uma licença de louco que me permita voltar à obediência automática ao vosso sempre sábio mandado prometo-vos que nunca tentarei procurar explicação para nada confesso a minha vã pretensão pretérita a minha soberba atitude com que me apresento podeis acreditar-me mui sinceramente arrependido sabeis que sou incapaz de mentir e até isso havereis de me perdoar também foi muito o meu orgulho e sempre será mínimo o vosso castigo arrasto-me aos vossos pés pisai-me cuspi-me urinai-me por cima que eu saberei sorrir agradecidamente
mónada 32 in 'Ofício de Trevas 5' de Camilo José Cela
5 comentários:
Que surpresa Margarete! O Ofício de Trevas 5. Posso dizer que se tivesse que chamar bíblia a alguma coisa, era a esta preciosidade. É raro encontrar alguém que conheça este livro dele.Gostei muito de ver isto aqui.
um beijo
:) foi comprado na "feira sem regras" cá em Coimbra
[ é um livro b r u t a l ]
de facto, essa conversa já surgiu: porque não se ouve falar mais de Camilo José Cela?
beijinhos!
ouvir até se ouve, mas deste livro em particular não. É mesmo difícil de encontrar. eu tenho um exemplar, mas queria muito oferecer um a uma amiga, e é mesmo nas feiras que procuro,mas nunca encontrei. e pelo que dizes havia um na minha terra-natal!
e sim, é inquietante. procura lá a a mónada 332 e a 379.
beijos
"porque não se ouve falar mais..." ;)
lidas as mónadas ;)
isto está a ficar complicado pq me apetece transcrever para aqui boa parte do livro... acho que as cachopas se vão fartar :P
p.s. se voltar a dar de caras com um exemplar, compro-o e apito para ti, se quiseres será teu ;)
Quero quero!!!!! Muchas gracias.
beijos
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